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Dois prá lá, Dois prá cá, O Filme:



O universo dos salões de baile é explorado por Laís Bodanzky em seu mais novo filme. Chega de saudade traz um elenco de primeira para narrar os casos e descasos de uma noite regada a dança, afetividade e sensualidade

O filme mal havia acabado. As letrinhas começavam a subir pela tela e, logo abaixo dela, casais se tiravam para dançar. Por alguns minutos, ainda no escurinho, o cinema virou salão de baile. Foi assim que Chega de Saudade, segundo longa-metragem da cineasta Laís Bodanzky, foi recebido em sua primeira exibição pública, em novembro do ano passado, durante o 40º Festival de Brasília. O impacto no público foi tão forte o filme saiu de lá com a consagração máxima do júri popular. Depois de ser lançada comercialmente em março no Rio de Janeiro e em São Paulo, a película começa agora a subir o mapa do País e estréia hoje em Fortaleza trazendo consigo o convite à dança e às descobertas que o "dois pra lá e dois pra cá" pode proporcionar.

O universo dos bailes perpassa a mente de Laís desde antes da realização de seu primeiro filme, Bicho de Sete Cabeças (2000). Há dez anos, ela resolveu se permitir freqüentar um desses espaços em companhia do marido, o roteirista Luiz Bolognesi. Ficou tão fascinada com a pluralidade de personagens encontrados ali que rabiscou em um guardanapo, tal qual um correio elegante, as suas primeiras impressões sobre o que via. Anos depois, essa foi a referência-chave para o que a cineasta viria a transformar em filme. "Percebi que aquele era um espaço de liberdade. Você não entra ali para trabalhar, mas para ter uma opção de lazer. Aquelas são pessoas dispostas a correr riscos em busca da possibilidade de uma felicidade. Só isso já traz leveza para o ambiente", afirma Laís.

A partir dessa imagem, Luiz construiu o roteiro em parceria com um jornalista e uma dramaturga que percorreram diversos salões em São Paulo em busca de histórias de vida, de gestos e expressões do público mais assíduo. Encontraram gente das mais diversas idades, classes sociais e cor de pele comungando daquele espaço. Desse rico material, surgiram as tramas de Marici (Cássia Kiss), que se vê traída por Eudes (Stepan Nercessian) quando ele resolve conduzir o primeiro baile da jovem e bonita Bel (Maria Flor) mesmo sob os olhos ciumentos do namorado Marquinhos (Paulo Vilhena), o DJ da festa. Também vieram aí as histórias de Alice (Tônia Carrero) e Álvaro (Leonardo Villar), um casal que luta para continuar na dança mesmo com as limitações da idade avançada, e a de Elza (Betty Faria), uma cinqüentona pronta para exercer ao máximo a sua libido.

Com essa diversidade de personagens, Laís busca enxotar a idéia de que os bailes seriam coisa de gente velha e que os salões teriam cheiro de mofo e clima de nostalgia. No entanto, não exclui dali os efeitos da passagem do tempo em seus personagens, exibindo, sem medo, as rugas e marcas de expressão dos atores e das atrizes. "A dança obriga o aqui e o agora pleno. Aquelas pessoas estão com o fio terra ligado no máximo. Elas não estão lá para lembrar o antigamente. São pessoas arrojadas querendo ser felizes. Isso você encontra numa adolescente e também numa pessoa de 80 anos", diz a diretora.

Ainda para Laís, o baile também se mostra como um ambiente onde se pode exercer livremente a libido através do forró, do samba, da salsa, do bolero. Por ali, a gordinha que dança bem pode ser mais sensual e atrair mais olhares que uma modelo desajeitada, por exemplo. "Essa é uma sensualidade sem preconceito. Ela não busca aparecer nas capas de revistas, mas também não tem vergonha de si. Só você sabe se mexer daquele jeito e isso eleva a sua auto-estima, já que, na roda de um salão, você dança pro outro". Tudo isso acontece sob a música do quilate de crooners como Elza Soares e Marku Ribas. Com sutileza, Laís se apropria dessas pequenas estrofes das histórias dos personagens para mostrar como eles pulsam, vibram e vivem plenamente, buscando uma aproximação direta com o público. Diante disso, saudade vai embora rapidinho. A ordem é mesmo sambar.

E-MAIS

- O elenco de apoio foi formado por verdadeiros freqüentadores de bailes. Nas gravações, eles passaram pelo desafio de dançar mesmo sem música. É que seria impossível gravar as falas dos personagens com todo aquele barulho. Só na edição as canções foram enxertadas nas cenas.

- O filme tem 32 cópias e custou R$ 4,6 milhões. Além do prêmio de melhor filme pelo júri popular, ele saiu do 40º Festival de Brasília também com os prêmios de melhor direção e melhor roteiro.

- Chega de Saudade marca o retorno de Tônia Carrero ao cinema após 20 anos sem participar de nenhum filme.

- O cenário do filme é o salão União Fraterna, de São Paulo. Para tocar a narrativa, que se passa em um único baile de quatro horas de duração, Laís e Luiz se inspiraram no filme O Jantar, de Ettore Scola, na qual as pequenas histórias de freqüentadores de um restaurante são contadas simultaneamente ao longo de uma noite. - O longa fez mais de cem mil espectadores somente nas quatro primeiras praças onde foi exibido, podendo já ser considerado um sucesso de público diante do número de salas ocupadas e do tempo em cartaz.
Fonte: Jornal do Povo

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